Os distúrbios mentais são um dos maiores flagelos da actualidade! Cerca de 1 em cada 8 pessoas, no mundo, sofrem com a sua saúde mental. Mas, afinal, o que é um distúrbio do foro mental? Posto de forma simplificada - não que o assunto permita sequer tal simplificação, mas para abreviar o texto que se segue - um distúrbio mental é uma desregulação cognitiva, isto é, na habilidade humana de percepcionar um estímulo, atribuir-lhe um justo significado, dar uma resposta adequada e guardar memória disso mesmo. Assim sendo, os dois distúrbios mais comuns são a ansiedade e a depressão (com fatias de praticamente 30% cada) - e Portugal é um dos países do mundo com maior incidência! Portanto, também na ansiedade e na depressão há sinais e sintomas de desajuste cognitivo-comportamental.
Agora, se me está a ler, e principalmente se é um Técnico de Exercício Físico (TEF), saiba que a atividade, mais ainda o exercício físico estruturado, podem ter um impacto positivo nos ansiosos e depressivos. O assunto é vasto, complexo e deve incutir muita responsabilidade - afirmo já que devemos reservar o diagnóstico ao médico psiquiatra e que o tratamento dos sinais e sintomas psicológicos devem ser da tutela de um psicólogo. Não obstante, afirmo: a) a atividade física reduz a incidência de ansiedade e depressão em cerca de 30%, e o exercício é um comprovado coadjuvante terapêutico; e b) mesmo que não trate a ansiedade ou a depressão, estas pessoas, como qualquer outras, continuam a beneficiar do exercício físico, mas os seus sintomas mentais constituem-se obstáculos à retenção. Posto isto, é fundamental os TEF saberem, pelo menos, 4 coisas...
1) UM PERIGO!
A ansiedade e a depressão, só porque se tratam de doenças do foro mental, não devem ser vistas como apenas um distúrbio ao nível do pensamento. Não! antes pelo contrário: os ansiosos ou depressivos, além de terem maior propensão para desenvolver hipertensão arterial, hiperglicemia, hipercolesterolemia e hipercortisolemia, costumam ter alta concentração de marcadores de inflamação sistémica, têm maior risco cardiovascular e maior taxa de mortalidade. Portanto, pare de interpretar a doença mental como APENAS e SÓ do foro mental, porque, acaso um seu cliente sofra de um destes distúrbios, saiba que a sua esperança média de vida está reduzida em cerca de 8 anos - se nada se fizer...
2) OS SISTEMAS DE ALARME!
De forma muito grosseira, a ansiedade e a depressão caracterizam-se pela sensibilidade alta dos sinais de alarme à presença de estímulos precursores das emoções e sentimentos relacionados com o medo e tristeza, respetivamente. E, em grande medida, pelo menos do ponto de vista fisiológico, não há assim tantas diferenças entre ambas as patologias - as principais e mais marcantes diferenças são no campo da construção de significados, isto é, do foro puramente mental (que não tratarei neste artigo). Por exemplo, a principal rede neuronal cerebral envolvida na percepção e resposta aos estímulos - que engloba estruturas frontais e límbicas - regra geral, apresenta-se hiperativa, excessivamente reativa e dessincronizada, provocando distorções na forma de pensar e de se comportar. Ou ainda, alguns sistemas hormonais encontram-se desajustados, por exemplo, um desequilíbrio na razão serotonina/dopamina, o que provoca uma considerável dificuldade em equilibrar o humor e, por outro lado, um constante alerta para o perigo exterior. Ora, o problema é que estas regiões e estes sistemas também são afetados pelo exercício físico, podendo resultar numa melhoria, ou não...
3) ANSIOLITICO e ANTIDEPRESSIVO!
A literatura científica não é equivoca nisto: o exercício físico, seja cardiovascular ou força, ou até as modalidades mind-body, tem consideráveis resultados positivos contra a ansiedade e a depressão, não só porque promove a neuroplasticidade cerebral, tendendo a equilibrar as redes neuronais mais afetadas, como o reajuste dos sistemas hormonais. Agora, infelizmente, aquilo que tem sido estudado apenas nos revela uma mera diretriz "macroscópica": O efeito ansiolítico/antidepressivo é maior o treino de força ou misto, a partir das 8-12 semanas, com 4-5 sessões de 30-60m de treino por semana – no mínimo 2-3 sessões de 15-20m durante 4-6 semanas –, e a níveis de intensidade de esforço moderado para alto. Nada mais se vislumbra na literatura das ciências do desporto. Mas, entretanto, se olharmos à literatura produzida pela neurociência, ou seja, as consequências neuro-endócrinas do exercício, conseguimos deslindar outras formas bem interessantes de responder às seguintes perguntas: como construir CADA exercício no sentido de um efeito ansiolítico ou antidepressivo? Como evitar um ataque de pânico durante ou após a prática? Que intensidade é ideal para a depressão? e para a ansiedade? (Porém, as respostas são complexas e não cabem neste artigo)
4) TENDEMOS PARA O ERRO!
Um dos principais problemas do fitness, quando toca ao acompanhamento de clientes ansiosos ou depressivos é cometer alguns erros grosseiros na prescrição e ligação com esta população. Por exemplo, a hipótese da "distração", que defende que a principal e ideal intervenção da prática de exercício é a distração propositada, isto é, o cliente, ao se exercitar fisicamente, é obrigado a distrair-se dos seus problemas mentais. Ora, isto não poderia ser mais nocivo! É que a distração propositada (por exemplo, estar 30 minutos a treinar de auscultadores a pensar "na morte da bezerra") incentiva à atividade de redes neuronais cerebrais já patologicamente hiperativas nos ansiosos e depressivos. Outro erro comum é a hipótese do "cansaço", achando o treinador que ao cansar o cliente o impede de se focar o resto do dia nas suas contendas psicológicas! Ora, outro "tiro ao lado"! É que o cansaço, nomeadamente o físico, também obriga à exacerbação sistemas hormonais que estão frequentemente pré-ativados de base nestes pacientes, o que significa que a tentativa de simplesmente cansar o ansioso ou depressivo pode fazer o "tiro sair pela colateral". Um último exemplo é a hipótese da "psicologia social", achando o treinador que o que melhora o estado mental do seu cliente é a mera socialização, o ter uma hora marcada, e ouvir de sua boca meia-dúzia de frases inúteis de coaching... Isto é um erro grande, por dois motivos: primeiro, não somos psicólogos, nem estudamos para tal, e dar conselhos nesse campo pode ser desastroso; segundo, porque, em certos distúrbios relacionados com a ansiedade, por exemplo no Distúrbio Obsessivo Compulsivo ou a Hipocondria, este tipo de estímulo social pode ser agravador de sistemas neuro-endócrinos já disfuncionais.
Bem, mas este artigo já vai longo... sei que não dei grandes respostas - e reservo-as para o meu curso, recentemente lançado com conteúdos pioneiros e inéditos pela REP Exercise Institute (Ansiedade, Depressão e Exercício - link aqui) - mas, pelo menos, levantei 4 questões que, a julgar pelo vejo no terreno e nas redes sociais, merecem melhor abordagem, sob pena de, mais uma vez, sermos vistos como supérfluos no sistema de ajuda disponível a cada utente.
Até breve!
© João C. Moscão, 2023
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