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AULAS DE GRUPO: Motivação ou Refúgio?

Atualizado: 14 de mai. de 2022

As aulas de grupo (AG) são parte integrante da esmagadora maioria dos ginásios e academias, sendo fundamentais na retenção dos seus clientes. Apresentam-se-nos como momentos dinâmicos, divertidos e motivantes, onde estamos ladeados por amigos, colegas ou mesmo completos desconhecidos, todos juntos procurando o mesmo: alcançar o sucesso nas tarefas e desafios propostos pelo professor. São aulas que poderíamos dividir em várias categorias, consoante o propósito de cada uma (body & mind, cardio, força, dance & fun…), fornecendo aos alunos um enorme leque de possibilidades, de forma a dar resposta às necessidades e objetivos de cada um. Mas repare-se que boa parte dessas mesmas necessidades e objetivos poderiam ser alcançadas na sala de exercício. Então, surge a questão: “porquê tanto sucesso e importância das AG na cativação e retenção dos clientes.” Os fatores comummente apontados (por alunos e professores) como mais preponderantes para tal, prendem-se com razões do foro social e psicológico, mais concretamente, a necessidade de pertença a um grupo, a interação dentro deste, a motivação de estar a praticar exercício com os pares, a superação dos próprios limites, a competitividade contra os restantes praticantes, a música/ritmo inerentes à aula em questão, a postura dinâmica do(a) professor(a), entre outros fatores que ao leitor certamente irá ocorrer. Partindo deste raciocínio, nas próximas linhas proponho-me a explicar as razões de considerar, tal como afirmo no título do presente texto, que a preferência pelas AG não deverá ser tida como garantia para a retenção dos alunos, na medida em que poderá ser simplesmente uma forma de refúgio para muitos, ou seja, não uma escolha, mas essencialmente uma forma de sobreviver ao que o fitness lhe impõe. Procurarei igualmente expor qual o preço que esse refúgio poderá acarretar para ambos os lados (ginásio e cliente), assim como quais as preocupações que deverão estar presentes na atuação dos instrutores de AG, de forma a tornar a experiência percebida pelo cliente realmente prazerosa.


De facto, o espírito de grupo é uma mais-valia tremenda das AG. Que disso não haja dúvidas. Numa sociedade marcada pela individualidade, onde a tecnologia nos permite estar em contacto com imensa gente, proveniente de qualquer canto do mundo, à distância de um clique, frente a frente num ecrã, as pessoas quase deixaram de saber estar em contacto presencial, especialmente com desconhecidos. E existem vários fatores para tal: personalidades já de si introvertidas, medo de rejeição pelo outro, falta de tempo, foco na tarefa e não na conversa, ausência de assuntos comuns, entre outros mais.

O ginásio não é exceção, na medida em que podemos ver certos comportamentos “anti sociais”, especialmente na sala se exercício, quando vemos os clientes a treinar não somente de pequenos e discretos auriculares, mas sobretudo com aparatosos headphones, como se tratasse de um sinal gigante a dizer “não incomodar”! No fundo, apesar de vermos salas de exercício repletas de clientes a treinar em simultâneo, a relação interpessoal é diminuta na maioria dos casos – é cada um por si e para si. Ademais, o próprio plano de treino, ao obedecer a uma temporização de renovação por vezes bastante espaçada, também corre o risco de se tornar enfadonho para o cliente que, em determinada altura, até necessitaria de um estímulo distinto ou, pelo menos, diferente, o qual poderá não ser aplicado. Aqui, temos ainda a considerar os vários modus operandi dos próprios espaços, onde, em alguns, a política da casa passa por alterar o plano de treino com relativa regularidade e sem encargos, enquanto noutros o cliente tem de pagar uma avaliação física para que essa renovação seja realizada, a qual, na maioria dos casos, pouco ou nada influencia a construção da nova rotina, sendo apenas um momento de tentativa de venda do serviço de Personal Training (PT). Ainda relativamente ao plano de treino, vou ainda mais longe, alertando para o retrocesso na relação pessoal que o avanço tecnológico poderá ter trazido. Com o smartphone a fazer parte integrante do treino do cliente, ora para escolher a melhor playlist no Youtube ou Spotify®, ora para tirar “aquela selfie” de forma a alertar o mundo virtual que aquele dia foi só “força, foco e fé”, nos dias presentes também o plano de treino é digital. É um facto que as Apps fantásticas e apelativas, com vídeos em HD onde é explicado ao pormenor como realizar determinado exercício, vieram substituir o “chato e anti-ambiental” plano de treino em papel. Contudo, num espaço onde as relações pessoais já são diminutas, esta alteração veio retirar aquela que, provavelmente, seria a ÚNICA relação de certos clientes: a relação com o professor da sala de exercício. Se algumas pessoas se sentiam constrangidas para falar sobre um qualquer assunto com qualquer pessoa, pelo menos a dúvida no plano de treino era a certeza de que iria falar, pelo menos, com uma pessoa, a mais importante do espaço onde treina, a qual todos procuram: o professor. O digital retirou isso, já não se aborda o professor para qualquer esclarecimento. Aliás, em muitos espaços o professor já nem é professor, na medida em que não ensina nada. É sim um motivador, alguém que “troca pinos” e grita “só mais uma”, “tu consegues” ou então está simplesmente encostado a um canto, preso ao seu smartphone, pois a política da casa é “não ajudar ninguém, pois se quiserem auxílio terão de pagar PT”.


Desta forma, as AG surgem como uma excelente alternativa para o praticante não temer a marginalização ou o oportunismo/extorsão, fazendo-o sentir como pertencente a um grupo, unido em torno de um único propósito: cumprir os objetivos delineados pelo professor. Desta forma, os alunos vão-se distribuindo pelas várias aulas existentes, experimentando-as e fidelizando-se às que mais gosta e que cumpram os seus objetivos. Aqui, também a atuação do profissional, com a sua capacidade de captação, motivação e inclusão, é decisiva nessa escolha. Desta forma, os alunos vão permanecendo mais tempo nos espaços que frequentam, provavelmente mais tempo até caso apenas tivessem acesso à sala de musculação. Ginásios, professores e praticantes, todos parecem beneficiar com as AG.


Contudo, nem tudo são rosas, na medida em que, ao serem traçadas metas comuns, estas poderão não estar ao alcance de todos (para não dizer que não estarão de todo), afastando-se dos seus principais atributos: a união e igualdade grupal. Desta forma, as adaptações dos exercícios, mais do que bem-vindas, serão fundamentais na boa relação entre o desafio proposto e as características de cada um, promovendo a individualização e, com isso, o sucesso na tarefa. Obviamente que estes ajustes serão facilitados nas modalidades “livres”, ao invés das “pré-coreografadas”, onde essas adaptações já serão mais difíceis de levar a cabo, contudo, sempre exequíveis. Aliás, mais do que possíveis, estas práticas de harmonizar o desafio pretendido com as capacidades e necessidades do praticante, são verdadeiramente diferenciadoras no reconhecimento da qualidade e excelência da atuação do profissional. Já foi transmitida esta ideia de que um exercício que seja JUSTO para com a fisiologia e anatomia humana, terá uma maior hipótese em reter os alunos nos espaços em que trabalhamos, uma vez que, apesar de muitos gostarem de desafios, acima de tudo gostam de os CUMPRIR [1]. O fitness seguiu por outro rumo, desafiando os seus clientes com verdadeiras impossibilidades, pelo menos para a sua grande maioria, o que leva à frustração e consequente abandono. Apesar de não aumentar significativamente o número de praticantes há cerca de 10 anos [2], o setor continua a crer que tal se deve a existirem poucos ginásios (apesar destes estarem a aumentar em número – exceção feita para os dados do ano transato, porém, o encerramento abrupto de ginásios deveu-se a um fator extraordinário, a pandemia por COVID-19 [3]), que os horários de funcionamento não se enquadram com o estilo de vida atual (logo, apareceram os ginásios abertos 24 horas), que as AG tinham uma duração exagerada para o tempo disponível para treinar (passou-se de 60 para 45 minutos e, entretanto para 30, 20 ou mesmo 15 minutos), ou ainda que faltavam modalidades que proporcionassem uma maior intensidade (aparecendo o HIIT e semelhantes). E sabe o leitor o que todas estas novidades e alterações trouxeram em termos de número de clientes em ginásios e academias em Portugal nos últimos anos? De “quase 6%” passamos para “pouco mais que 6%”, em 2019 [3]. O setor continuou a operar para agradar aos “fitness freaks”, aquele nicho de praticantes que apenas sente prazer nos nossos espaços se saírem de muletas ou se ficarem caídos numa poça de suor. Ou seja, foi para um pequeníssimo grupo, com pouca representatividade nos espaços, que se continuou a gritar “No Pain, No Gain”, ou o tradicional “Se a mente acredita, o corpo consegue”. Oxalá fosse tão simples! Com 2020 veio a pandemia, e aí o fitness quis demonstrar que fazia parte do setor da saúde, algo com o qual não se preocupava até esse momento (ou, pelo menos, não passava essa mensagem de forma tão efusiva como a supracitada). Resultado? A mensagem não teve grande impacto na população, resultando numa queda abrupta do mercado: a taxa de penetração, que estava acima dos 6%, cai para os 4,8% e a taxa de cancelamentos, que vinha a subir ligeiramente e estava nos 60%, dispara para os 98%, o que representa uma queda abrupta da taxa de retenção para os 2%; e isto, claro, com clubes a fechar e profissionais a perderem o seu emprego [3]. Os clientes não sentiram a necessidade de voltarem aos seus espaços, numa altura onde o que mais se falava era de SAÚDE! Questiono se será necessário algo ainda mais evidente para se perceber de uma vez por todas que o setor não estava a comunicar da melhor forma as suas maiores valências…


Sendo assim, a mensagem que quero trazer para a ribalta com este texto: uma vez que, parafraseando Rita Mae Brown, “Insanidade é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”, torna-se urgente a adoção de práticas, não só diferentes, mas essencialmente adequadas ao praticante, para conseguirmos retê-lo nas nossas salas de aula. E é relativamente simples consegui-lo! Basta respeitar cada aluno, as suas características, as suas necessidades, os seus objetivos e adaptar o que for possível, de forma a ser justo. Agora, claro que isto acarreta trabalho de casa, ou seja, o estudo de disciplinas árduas como Anatomia, Fisiologia ou Biomecânica, mas, como muito gostamos de dizer aos nossos alunos: “nada se faz sem esforço” – então, esforcemo-nos nós, de forma a desafiá-los nas AG, mas com consciência, sensatez e, acima de tudo, JUSTIÇA!


Em termos práticos, o que acabei de referir passa por deixar de lado somente os feedbacks característicos como o “tu consegues”, “vai, vai, vai”, ou ainda o “visualiza o sucesso” e, de facto, passar a observar o que vai acontecendo com os alunos que estão presentes na sala. Não estou a afirmar que estas punch phrases sejam para deixar de constar no dicionário dos instrutores de AG, na medida em que são poderosas ferramentas motivacionais. Estou antes a afirmar que estes não deverão ficar por aqui, até porque passar tantos anos a estudar para depois ter um discurso sem grande conteúdo prático ou diferenciador será só, e apenas, disparatado e nada coincidente com profissionais que pertencem ao ramo da saúde! Assim, o profissional que se queira realmente distinguir dos demais deverá procurar entender quem é cada aluno que está na sala consigo, agindo em conformidade. Refiro-me a adaptações simples e exequíveis, onde muitas vezes basta perguntar ao aluno “como se sente neste exercício/execução?”. Depois de ouvir a resposta, o profissional irá reparar que terá apenas 3 possibilidades, 3 caminhos por onde poderá seguir: 1) estando tudo bem, continuar com o exercício; 2) havendo algum desconforto, alterar o exercício; 3) havendo alguma contra-indicação, construir um outro exercício mantendo, se possível, o mesmo objetivo inicial. São 3 caminhos distintos e, por vezes, complexos, na medida em que a janela de tempo de atuação é deveras limitada e a solução poderá não surgir de forma imediata.


Vejamos um exemplo concreto: um aluno com um conflito sub-acromial que, ao realizar um exercício de abdução do ombro com halteres (elevações laterais), se queixa de dores. Quais os critérios a ter em conta na alteração da construção do exercício? Podemos alterar o plano de movimento, saindo do estritamente frontal e passar para um plano mais oblíquo (entre o frontal e o sagital); podemos limitar a amplitude de movimento; podemos pedir para promover uma rotação externa do ombro ao longo da abdução (de forma a afastar o grande tubérculo umeral do acrómio, evitando o choque ósseo); podemos alterar o equipamento (um elástico em vez do haltere, o qual deverá aproximar-se do ombro no momento da abdução a 90°); podemos alterar a posição do aluno, de forma a que a relação corpo/resistência seja diferente (colocá-lo numa posição mais oblíqua ou mesmo deitado de lado, de forma a que ao longo da abdução o membro superior se aproxime de uma posição mais vertical, logo, apresentando um menor desafio para a articulação); podemos fazer tantas mais coisas... Resumindo, temos a hipótese de optar por um sem número de opções, isoladamente ou combinando-as entre si, de forma que o aluno obtenha o que mais procura nas AG: ter SUCESSO! E repare o leitor que nada mais apliquei do que o meu mero conhecimento nas 3 disciplinas supracitadas. Mas falta o mais importante: o ALUNO. Sem ele nada faremos e tudo o que escrevi acima torna-se um absurdo. Não existem fórmulas mágicas, não existem relações de causa-efeito pré-resolvidas. Como se costuma dizer “cada caso é um caso”, e cada novo aluno com um conflito sub-acromial é diferente do anterior, podendo a solução ser distinta, não servindo nenhuma das opções apresentadas acima. Mas, se pertencemos a uma classe profissional que promove saúde, temos de possuir o conhecimento para atuar, mesmo sendo num contexto de AG.


Considerações Finais


A mensagem que procurei trazer com este texto é a de que considero as AG como fundamentais na retenção dos alunos nos espaços de fitness, em muito devido às componentes social, grupal e motivacional que apresentam. Contudo, o percurso do aluno não deverá findar por aconselhar quais as AG que estão mais de acordo com o seu objetivo, mas antes haverá de ser criada toda uma envolvência que lhe permita uma constante evolução, o que até poderá passar pela ida à sala de exercício. Mas, aí, não poderá ser deixado à sua sorte nem os seus objetivos deverão ser deturpados em prol de “políticas da casa”, “facilitismos” ou “técnicas de venda de produtos superiores (Personal Trainer)”. Mais uma vez ressalvo que não tem mal algum sugerir o serviço de treino personalizado, desde que o mesmo seja realmente necessário para o cliente. Na sala de exercício, o profissional deverá acompanhar o melhor possível os praticantes, sendo apenas limitado pelas questões logísticas e temporais inerentes, de forma a garantir uma ação equitativa entre todos. Nunca haverá de ser um “não serviço”, onde o auxílio não é prestado (de todo ou da melhor forma), como um verdadeiro estratagema montado para convencer o aluno que só pagando um serviço personalizado é que conseguiria alcançar certos objetivos e sobreviver.


O fitness é um negócio para pessoas, portanto terá necessariamente de as considerar como tal e não apenas como números ou targets financeiros, de forma ao setor voltar a ganhar credibilidade e aumentar o seu número de praticantes. Mas só conseguirá adquirir essa confiança através de comportamentos que se coadunam com a imagem de ser um local onde a segurança, a atenção, o pormenor ou a saúde do aluno vem primeiro, que os professores que lá trabalham são realmente profissionais de excelência e, por isso, conseguirão proporcionar experiências também elas de excelência – únicas, integradoras e motivantes –, retendo os que por lá passam e motivando a adesão de novos clientes. Arrisquemos e façamos algo diferente: contemplemos mais o aluno, quem este realmente É. Estudemos mais, ajudemos mais, ajustemos mais. Construamos exercícios à medida de cada um sempre que for possível, fornecendo mais adaptações e/ou progressões para cada um fazer o seu próprio treino ou, em último caso, não insistindo com quem não consegue realizar determinada tarefa (procuremos antes perceber o porquê e qual a alternativa mais adequada). Tratemos o aluno com JUSTIÇA e com verdadeiros desafios, não impossibilidades ou utopias.


© David Costa, 2021 (Professor REP; instrutor de Body Combat®, Step, Localizada e Circuito)



Citações:


1 - https://www.repinstitute.com/post/falha-sim-insucesso-n%C3%A3o

2 - https://www.portugalactivo.pt/noticias/barometro-do-fitness-2019

3 - https://www.portugalactivo.pt/sites/default/files/documentos_publicos/02_barometro_anual_agap_2020_low.pdf

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