Todos os anos, no mês de Novembro, são organizadas campanhas de sensibilização para o rastreio do cancro da próstata (CP). Tal como outros cancros, este também afeta a qualidade de vida a diferentes níveis e o exercício pode ser uma boa estratégia de intervenção num contexto multidisciplinar. Esta viabilidade do exercício tem influência antes, durante e depois, pelo que carece da nossa atenção como personal trainers para ajudar os nossos alunos a viver melhor. Até mesmo para os PT’s mais capitalistas, importa saber como ajudar com qualidade tendo em conta que se o aluno não melhorar a sua qualidade de vida e não perceber a mais valia que o exercício apresenta, também não será um cliente retido.
Cancro da Próstata em Portugal
Segundo a Associação Portuguesa de Urologia (1), esta patologia afeta cerca de 82 pessoas em 100 mil habitantes, sendo que é responsável por 10% das mortes por cancro em Portugal. Ainda assim, importa relembrar que mesmo não provocando a morte, pode condicionar a vida do doente para o resto da vida a diferentes níveis como: disfunção eréctil; incontinência urinária; efeitos secundários dos tratamentos. Por isso, prevenir é a solução, sendo que muita gordura acumulada não é um bom indício.
Características
Geralmente, este cancro é um adenocarcinoma (origem glandular) e é influenciado pelas hormonas esteroides. Logo aqui já temos um sinal de alarme, pois que, sendo estas hormonas sintetizadas a partir do colesterol torna-se importante que o organismo tenha níveis de gordura acumulada dentro dos valores de referência, pelo menos como fator preventivo. Assim, a obesidade é um dos principais fatores de risco em muitos cancros, nomeadamente neste. A prevenção é por isso a melhor arma a diferentes níveis. Todos os homens deverão iniciar o rastreio médico a partir dos 50 anos de idade, sendo que alguns deverão iniciar ainda mais cedo. Mesmo não sendo condição sine qua non, homens com 1 familiar de 1º grau que tenha tido CP apresentam um risco 2-5 vezes superior de desenvolver a doença. Outros fatores de risco poderão estar relacionados com o sedentarismo e o tabagismo.
No que concerne ao diagnóstico, existem diferentes metodologias sendo que o toque rectal é geralmente a que ocorre primeiro para detetar anomalias mais evidentes no tamanho e consistência do órgão. Porém, controlar o nível sanguíneo do Antigénio Específico da Próstata (PSA) poderá ser uma estratégia mais precisa – embora a comparação com níveis de referência é “apenas” mais uma informação que não exclui a pertinência de outros exames. Poderá ser ainda utilizada a ecografia transrectal e/ou ressonância magnética da próstata e ainda a biópsia prostática.
O problema, é que frequentemente os estadios iniciais da doença não apresentam sintomatologia evidente, e mesmo que estejam presentes alguns sintomas, estes são facilmente confundíveis com outras patologias. Ainda assim, alterações da frequência com que se urina, ejaculação dolorosa, micções e desconforto pélvico são sinais que justificam a consulta ao médico urologista.
Já no que concerne ao tratamento, como é apanágio nesta temática do cancro, cada caso é um caso mas vou tentar tornar isto o mais percetível possível. Em casos de baixo risco, em que a probabilidade de progressão da doença é baixa, que não se suspeita que possa agravar-se, a vigilância clínica apresenta-se como opção terapêutica mais indicada. Nos casos de doença localizada de risco intermédio ou alto, deve ser instituída terapêutica radical sob a forma de cirurgia (prostatectomia radical) ou radioterapia. Ainda assim, alguns casos carecem de radioterapia externa, braquiterapia - radioterapia que implanta marcadores radioativos no órgão - e hormonoterapia que pode bloquear os recetores androgénicos e assim travar o a entrada de testosterona no órgão e consequentemente o desenvolvimento do cancro da próstata.
Implicações importantes para o exercício físico
Se conseguiu continuar motivado a ler este artigo até aqui, agradeço por isso, e informo-o de que a partir daqui a ligação com o exercício físico será direta.
Muitos doentes com cancro da próstata localizado são submetidos a prostatectomia radical, sendo este o gold standard de intervenção.
Este método pode ser executado por via aberta, ou de forma minimamente invasiva (laparoscopia clássica ou assistida por robot).
A. Via Aberta
a. Incisão desde umbigo até a sínfise púbica – mais invasiva
b. Tradicional
c. Maior tempo de recuperação devido à maior quantidade de tecidos lesados pela incisão
d. Maior dificuldade de preservação das estruturas nervosas
B. Laparoscopia
a. Pequenos orifícios no abdómen inferior
b. Requer mais tecnologias e formação médica nem sempre disponíveis
c. Menor tempo de recuperação e menores complicações pós cirúrgicas
d. Menos tempo com algália
Incontinência Urinária
Dada a proximidade do esfíncter urinário com o apex da próstata e a necessidade de utilização de uma algália após a cirurgia durante um período de uma semana a duas semanas, é quase inevitável que o paciente sofra de incontinência urinária temporária durante um intervalo de tempo, que pode variar de alguns dias/semanas a vários meses.
Este efeito colateral da intervenção cirúrgica pode e deve ser tido em conta pelo PT, pois afeta o bem-estar e qualidade de vida do seu aluno. Além disso, muitos exercícios implicam a ativação da musculatura da região abdominal que provocam pressão visceral que em última instância poderá provocar perdas de urina por pressão na bexiga ao mínimo esforço físico da vida quotidiana.
O exercício físico apresenta-se como uma excelente estratégia de intervenção num contexto multidisciplinar para doentes com CP. Numa revisão sistemática (2) com 1574 homens com CP de todos os estadios (I-IV), em que foram incluídos em programas de treino de 2-7 dias/semana de treino aeróbio e treino com resistências, verificou-se que: o exercício melhora a qualidade de vida específica no cancro; diminui a fadiga específica no cancro; aumenta o nível de capacidade física submáxima e força dos membros inferiores.
Nos casos em que os doentes são submetidos a outras modalidades terapêuticas que não a cirurgia, é frequente a administração de fármacos que provocam privação de androgénios (3) - bloqueadores de hormonas masculinas - porém apresentam como efeitos secundários a perda da líbido, aumento te gordura abdominal, diminuição de massa e de tónus muscular. Já o exercício físico – aeróbico e/ou com resistências – melhora a condição física dos pacientes em aspetos como a força, função física, composição corporal e fadiga. Poderá ser, por isto, um bom coadjuvante terapêutico já que “contra ataca” alguns dos efeitos secundários das terapias utilizadas!
Uma meta análise (4) com 1199 homens com CP quantificou os efeitos do treino com resistências (TR)na performance física, composição corporal, qualidade de vida e fadiga de pacientes com CP. Os resultados foram, naturalmente, positivos:
Melhoria da força muscular em todo o corpo.
Melhoria da composição corporal: aumento de massa magra e diminuição de massa gorda (fator de risco já descrito neste artigo).
Melhoria do tempo de 400m de caminhada: pois é, o exercício de força também melhora a resistência cardiorrespiratória.
Não poderia deixar de referir o papel do exercício, sobretudo o treino com resistências, na produção de mioquinas que fortalecem as nossas defesas naturais contra o cancro. A IL-6 e IL-15 assumem um papel preponderante na ação das células NK e dos TNFa. Para mais informações acerca deste efeito, sugiro a leitura de outros dois artigos da minha autoria neste blog com o título: “Exercício no doente oncológico” e “O Boom dos Treinos em Casa e a Imunidade”.
O que fazer?
Em primeiro lugar, nos casos em que houve lugar a uma intervenção cirúrgica, considero que o PT deverá inteirar-se do procedimento que o urologista adotou para compreender que estruturas foram lesadas, as quais condicionarão a força e mobilidade do aluno. Uma avaliação através da metodologia TOMM será uma excelente ajuda, nomeadamente aos seguintes movimentos: adução da anca, flexão do tronco, rotação do tronco e rotadores internos e externos da coxofemoral e extensão da anca. Então poderá ser feita a reabilitação dessa musculatura melhorando a sua produção de força.
Em segundo lugar importa voltar a capacitar o aluno para controlar os esfíncteres urinários. Dado que a incontinência urinária temporária é quase inevitável e que o esfíncter da uretra se encontra frequentemente condicionado, considero importante que o fortalecimento da musculatura do soalho pélvico seja tido em conta mesmo sendo esta uma área corporal, para nós os PT’s, algo incomum na nossa prática diária.
Assim, sugiro que o PT se familiarize com os Exercícios de Kegel para fortalecimento da musculatura do soalho pélvico. Através de uma breve pesquisa na internet, o leitor conseguirá facilmente um reportório de exercícios de Kegel para que os possa aplicar nos seus alunos com esta necessidade. A ciência tem comprovado o efeito benéfico dos mesmos neste contexto (5), porém a sua ativação nem sempre é de fácil perceção por parte do executante. Sugere-se por isso que através da ativação de músculos esqueléticos como os adutores da anca, glúteos e abdominais, se possa criar uma co ativação dos músculos do soalho pélvico e então conseguir atingir esse target.
Outra estratégia poderá ser pedir ao aluno que tente interromper o jato urinário para que comece a ganhar consciência da contração muscular específica e melhorar o mapeamento cerebral para isso. Pedir ao aluno para tentar “gravar” essa sensação e posteriormente aplica-la de novo mas agora no contexto de treino poderá potenciar ainda o seu efeito.
Conclusão
O CP é frequentemente um motivo para intervenção cirúrgica que poderá ser mais ou menos invasiva consoante o método. Não podemos descurar que a cirurgia envolve incisões que condicionam os limiares de excitabilidade dos fusos neuromusculares dos tecidos afetados, e por isso a sua produção de força ficará comprometida. Devemos focar-nos em melhorar essa capacidade, porém, devemos também contribuir para uma melhoria da qualidade de vida do aluno. Como tal, importa ajudar o aluno a voltar a ativar os esfíncteres através dos exercícios de Kegel, bem como a incluir esta musculatura em exercícios mais complexos de adução da anca, extensão da anca e flexão do tronco.
Nota de agradecimento:
Agradeço ao médico urologista, Dr. Tiago Moura Mendonça, do Hospital Particular da Madeira, a contribuição para a construção desde artigo. A sua ajuda foi fundamental para tornar algo complexo num conteúdo mais disponível aos conhecimentos dos profissionais do exercício físico.
Bibliografia referida:
1. Retrieved November 07, 2020, from https://www.apurologia.pt/publico/frameset.htm?https%3A%2F%2Fwww.apurologia.pt%2Fpublico%2Fcancro_da_prostata.htm
2. Bourke et al., 2016
3. Campos et al., 2018
4. Keilani et al., 2017
5. Park et al., 2018
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