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O Boom dos Treinos em Casa e a Imunidade

Atualizado: 6 de jul. de 2020

Nos últimos dias temos assistido a uma demanda da popularização do exercício físico nas redes sociais. PT’s, outros TEF’s, e até mesmo alguns influencers mal informados - pois que ter muitos followers não me parece condição sine qua non de sapiência - tentam promover um estilo de vida saudável, onde o exercício “agora” encontra o seu tempo. Esta iniciativa parece-me muito positiva, tendo em conta que alguns dos que vão descobrir as vantagens do exercício neste isolamento social poderão querer manter essa rotina quando voltarmos à normalidade. Pois é, o tempo já não parece ser argumento para quem subitamente descobriu que pode fazer o download de uma App que vai resolver os problemas que sempre teve, ou repetir os exercícios que alguém publicou numa story. O problema não é começar, mas sim não saber o que – ou “como” e “quem” – procurar no meio de tanta informação disponível! Mas será o exercício uma arma contra este COVID-19? Desculpem-me os mais sensíveis ao pensamento crítico, mas a minha resposta é: não sei e ainda é muito cedo para a comunidade científica saber!


O exercício é bom para o sistema imunitário (1), sim, mas daí a prevenir a infeção pelo Coronavírus vai uma grande distância. Além disso, o efeito agudo do exercício pode ser imunodepressor, apesar de a nível crónico poder ser imunogénico. Também há quem defenda que um único momento de intensidade alta não afeta a imunidade ou mantém os benefícios (10), mas o que farão vários momentos seguidos nessa intensidade descurando a capacidade do organismo em questão? Sejamos honestos para com o público que não tem conhecimento e/ou acesso a tal informação: ainda há muita coisa cinzenta!

Torna-se, por isso, importante partilhar verdadeiro conteúdo tal como referiu João Moscão num outro artigo do nosso blog (https://www.repinstitute.com/post/vender-treino-na-quarentena). Informar as pessoas pode ditar a diferença entre ficar com uma má memória do exercício que fizeram ou procurar manter o exercício físico na sua vida após esta quarentena. Além disso, se neste momento todos temos mais tempo, porque não canalizar o nosso foco também para a ajuda ao próximo? Porque não construir e partilhar informação – boa, comprovada e acessível – a todos os que possam beneficiar da mesma?

Problemas


Falta de material:


Se excelência é fazer o melhor que sei, com aquilo que tenho, até que existam condições para fazer melhor, então podemos desenvolver treinos individualizados que ajudam os nossos clientes mesmo estando eles confinados às suas habitações. Podemos criar programas que sejam adaptáveis, mas consciencializando as pessoas que carecem de algumas adaptações, as quais devem ser identificadas pelo seu treinador, fruto do feedback atento do próprio aluno aquando da realização do exercício!

Nem toda a gente tem material em casa para poder fazer exercício. Naturalmente isso afetará a seleção dos exercícios e consequentemente a adaptação dos mesmos às diferentes “posologias”. Mas será assim tão necessária uma grande diversidade de material? As leis da física, a biomecânica e a fisiologia, embora afetadas pela seleção do exercício e material utilizado, podem ser adaptadas por forma a ser profiláticas e realmente benéficas para o nosso organismo... e consequentemente não sobrecarregando o sistema imunitário.

O cardio e a falta de espaço:


Outra dificuldade é a crença de que o cardio é essencial nos moldes em que sempre o idealizámos: intensidade moderada e longa duração. Coloca-se a dificuldade de haver pouco espaço em casa, ou de não haver uma máquina para esse fim, como a bicicleta estática ou a passadeira. Mas será o cardio mesmo necessário, ou outros métodos também podem desenvolver a resposta imune?

CiÊncia:

Exercício e resposta imune:


Então vejamos o que a ciência tem descoberto sobre o papel do exercício físico no desenvolvimento da resposta imunitária. Sabemos hoje que o sistema muscular esquelético tem uma ação semelhante ao sistema endócrino na medida em que produz substâncias que “comunicam” com outras células. Estes polipeptídeos denominados por mioquinas, são produzidos durante e após a contração muscular, e conseguem mediar o metabolismo de várias células, como por exemplo: a IL-6 para as NK cells no cancro (2); a IL-3 na proliferação das células hematopoiéticas para a anemia (3); e até mesmo a IL-15 no controlo da resposta imunitária (4). Ou seja, o exercício faz bem “a muitas coisas”, mas pouco se fala de COMO é que isso pode acontecer. O que torna especificamente o exercício assim tão especial no que concerne ao sistema imunitário? Não só, mas a meu ver, sobretudo, as mioquinas.

Moderado vs Intenso:


Posto isto, surge então a questão: Qual a intensidade adequada para que haja realmente benefícios para o sistema imunitário? Pois bem! Sendo que a IL-15 é necessária na ativação das NK cells contra os vírus, e que a mesma pode aumentar 5000 vezes a sua concentração após o exercício (1), interessa-nos criar exercícios que potenciem a sua produção. Combinar o cardio com o exercício com resistência externa pode ser uma boa solução a vários níveis (5).

Mas esta questão de discernir qual tipo de exercício – cardio ou resistências – é mais adequado para a produção de mioquinas é algo que me suscita o interesse há algum tempo. Infelizmente, a ciência ainda não é muito clara neste aspeto pois o estudo das mioquinas tem apenas 20 anos, aproximadamente. Porém, começam a surgir evidências que sobrepõem o benefício do treino com resistências em relação ao cardio devido à produção de fatores inflamatórios que este (o cardio) produz em maior quantidade. Em 2015, Diment et al. investigaram a influencia da intensidade e duração do exercício físico (corrida) na resposta imune de 64 corredores ocasionais. Dividiram o grupo em 4: controlo; 30’ moderado; 30’ intenso; e 120’ moderado.


  • As concentrações de Epinefrina, Norepinefrina e Cortisol foram medida antes, durante e depois do exercício e sendo que o grupo que correu 120’ moderado apresentava maiores concentrações de cortisol.

  • Após serem expostos a um agente patogénico que desencadeia irritação cutânea, foi administrado um anticorpo para recuperar da mesma em diferentes doses. Concluiu-se que não havia diferenças significativas entre os grupos de controlo, 30’ moderado e 30’ intenso. Porém, o grupo que fez 120’ moderado necessitou de 4,4 vezes mais dose do anticorpo para começar a reagir - mesmo assim com muito menor expressão.

  • Comparando os 120’ a uma intensidade moderada com o grupo de controlo, 11 destes corredores foram então expostos a um agente patogénico que desencadeia irritação cutânea. 20 minutos após o exercício administrou-se a todos os indivíduos um anticorpo para recuperar a reação cutânea. Concluiu-se não haver diferenças significativas entre correr 2h ou ficar sentado no que concerne à resposta do sistema imunitário. Este efeito verificou-se até 28 dias após a intervenção do exercício em causa.


Ou seja, o exercício de longa duração a uma intensidade moderada produziu um ambiente inflamatório maior que atrasou a resposta imunológica e tornou-a menos eficaz mesmo com medicação (6). E este efeito imunossupressor pode ser provocado com apenas um momento deste tipo de exercício, aumentando potencialmente o risco de infeção em corredores recreativos (7).

Recomendação:


Intensidade alta e curta duração...
é preferível treinar com tempo sobre contração em vez de repetições!

Então será possível “escolher” apenas a parte boa do exercício? Considero que sim, desde que se tenham alguns pormenores em atenção.

O treino com resistências, com prevalência concêntrica e menores danos musculares, induz um aumento exponencial de IL-6 (100 vezes mais) que por sua vez tem um eficaz efeito anti-inflamatório (8). Assim, aconselho a alguma cautela na utilização do treino excêntrico e pliométrico devido à elevada componente das resistências superiores à produção de força - e por isso excêntricas - nos tendões e ventre muscular que podem provocar maiores deformações, superiores ao limite homeostático das mesmas.

A produção de IL-15 é regulada especificamente pelo treino de força e, como tal, esta é uma boa abordagem para a sua produção (8). Assim, é possível que exercícios bem construídos, e que levem as células musculares a uma alteração da sua hemóstase, produzam efeitos benéficos. Porém, não tem necessariamente que ser com o cardio, pois que o treino com resistências também respeita as mesmas leis da física e torna-se mais “manobrável” no que concerne à intensidade e duração. As mioquinas produzidas num treino curto de alta intensidade – entenda-se ajustada ao organismo em questão – podem diminuir a produção de marcadores inflamatórios em quadros clínicos de lesões pulmonares (9).

Resumo


O exercício pode ser promotor de um sistema imunitário mais forte, mas não necessariamente o cardio. Na verdade, a alta intensidade muscular em curta duração parece ser a abordagem mais eficaz na produção das mioquinas que fortalecem as nossas defesas. O treino com resistências – peso corporal, elásticos, cabos, máquinas guiadas – preconiza um ambiente ideal para controlar as variáveis da intensidade e duração do esforço muscular. Procura-se “extrair” o melhor do exercício: alteração suficientemente alta da homeostasia para que haja uma adaptação metabólica desse tecido muscular, e consequente melhoria das capacidades físicas e fortalecimento do sistema imunitário. Nesta medida, sugiro a utilização de metodologias com tempo de contração ao invés das repetições. Que se instrua o(a) aluno(a) a identificar o seu nível numa escala de perceção de esforço que vá ao encontro ao objetivo que delineámos para ele(a). Nível 6-7 numa escala de 0 a 10, ou deixar duas repetições em reserva, pode ser uma abordagem conscientemente eficaz, onde o aluno adapta a intensidade do treino ao que o seu organismo lhe permite... NESTE MOMENTO! © Afonso Franco, 2020

(Direitos de autor protegidos)

Referências:

1 – Crane et al. (2015)

2 – Karstoft & Pedersen (2016)

3 – Baker, J.M. (2010)

4 – Verbist & Klonowski (2012) 5 – Vanti et al. (2019)

6 – Diment et al. (2014)

7 – Smith et al. (2011)

8 – Nielsen & Pedersen (2007)

9 – Cardoso et al. (2018)

10 – Campbell & Turner (2018)

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