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Osteoartrose e Exercício

Atualizado: 17 de abr. de 2022

É certo que o mecanismo de imbibição – tão estudado nas aulas de fisiologia – apenas serve para manutenção do estado atual da cartilagem. Visto que não é vascularizada, nem inervada, nem tem membrana externa, os pares de força compressão-distração que naturalmente ocorrem durante o movimento articular promovem a troca de nutrientes entre o meio interno da cartilagem e a cavidade articular – onde se encontra o tão importante líquido sinovial. No entanto, a recuperação do estado, isto é, o retorno a um estado com mais e melhor tecido cartilagíneo está impossibilitado [1,2]. Isto significa que, se a cartilagem perde células (as poucas que tem) ou altera a sua imprescindível rendilhada estrutura (proteoglicanos-água-colagénio), o melhor que nos pode acontecer é não piorar – melhor já não fica.

Talvez por isto a osteoartrose é considerada uma patologia irrecuperável e progressiva, acompanhada de alterações em todos os outros tecidos adjacentes [1-3] – tais como osso, cápsula, ligamento, músculos, nervos –, sendo a patologia articular de maior prevalência e uma das principais causas globais de dor e incapacidade [3-5]. E tudo isto com uma acrescida complicação: cerca de metade dos casos são assintomáticos e cerca de metade dos casos sintomáticos não apresentam patologia [6] – dado que nos faz suspeitar de qualquer articulação e deixa sem saber se só deveremos atuar em caso de haver disgnóstico ou, por outro lado, atuar logo de início com a consideração dessa mesma possibilidade (creio que esta última é mais prudente).

QUAIS AS CAUSAS?


Há já muito tempo que se assume na comunidade medica e do exercício que as causas seriam a idade – mais concretamente o aumento da esperança média de vida –, o índice de massa corporal (IMC) – mais concretamente o excesso de peso – e o género – mais concretamente o sexo feminino [4,5]. Porém, apesar de ser incontestável que estes 3 fatores estarão sempre associados de alguma forma à patologia, a verdade é que a ordem de causalidade não é evidente [4,7]. Ou seja, mesmo que os pacientes que apresentem osteoartrose sejam habitualmente do sexo feminino e/ou mais pesados e/ou mais velhos, isso não indica que tenham sido esses 3 fatores a causar a patologia.

Com o avançar da investigação científica, tem ficado cada vez mais claro que as causas são de ordem mecânica, ou seja: relacionadas com movimento e forças [4]. O fatores mecânicos podem dividir-se em 2 classes: passivos, quer sejam alterações anatómicas genéticas ou adquiridas, quer sejam forças articulares de magnitude ou repetição intolerável; e ativos, com a diminuída contratilidade muscular – que pode ser expressa em menos força [5]. Assim sendo, desde o ponto de vista estabelecido pelo cientista Michael Hurley (1999), em vez de se assumir a perda de força muscular como sendo uma simples consequência da osteoartrose, deveremos assumir que é, também, uma causa [8]. De facto, há várias investigações que demonstram que a falta de força é um fator causador de osteoartrose independente dos outros fatores antes mencionados [9,10].

QUAL A SOLUÇÃO?


Há um dado muito relevante na investigação, que é trazido pela equipa de Ian Wallace (2017): a prevalência desta doença duplicou em meados do séc. XX – pela altura da revolução industrial, altura em que deixou de ter relação direta com a idade ou o IMC [4]. Este dado indica que as causas modernas deste flagelo não só são alheias aos fatores habitualmente citados, como se relacionam com a alteração de hábitos que a dita revolução industrial instaurou na civilização, tais como: inatividade. Com isto, poderemos inferir: talvez não seja o avançar da idade, mas sim a perda de força que lhe está associada; talvez não seja o excesso de peso, mas sim a perda de força que lhe está associada; e talvez não seja do sexo feminino, em si mesmo, mas a diminuída expressão de força comparativa com a do masculino [4,8,9,11].

Neste sentido, a comunidade científica recomenda a inserção das alterações dos hábitos de vida – nomeadamente o aumento da atividade e a terapia física (entenda-se com ambos “exercício”) – antes de qualquer abordagem invasiva, seja por medicação intra-articular ou por cirurgia, estabelecendo assim a causalidade da falta de força, a relevância do exercício físico e, ainda que sem o mencionarem, a importância dos Fisioterapeutas (no tratamento da patologia e dos sintomas atuais) e dos Técnicos de Exercício Físico (na prevenção da patologia e dos sintomas futuros).

Termino como obviamente é esperado: se o problema poderá ser fundamentalmente a falta de força, então, impõe-se a relevância e necessidade do Treino com Resistências (vulgo: treino de força). De facto, esta abordagem de exercício não só previne a doença, como diminui a dor e melhora a função física geral em pacientes com osteoartrose [11-13]. Entretanto, uma vez que este artigo já vai longo, deixarei os detalhes para outra altura:

  • Qual a real tolerância da cartilagem à fricção?

  • Como se processa o desgaste?

  • Como é que a perda de força degenera em osteoartrose?

  • Que tipo de Treino com Resistências?

  • Com que intensidade e volume?

  • Deveremos alongar ou fazer cardio?

  • Que cuidados específicos deverão ter lugar para cada articulação?


© João Moscão, 2020 - direito reservados.


Bibliografia:

[1] Camarero-Espinosa, 2016

[2] Correa, 2016

[3] Robinson, 2016

[4] Wallace, 2017

[5] Vina, 2018

[6] Bijlsma, 2011

[7] Felson, 2013

[8] Hurley, 1999

[9] Takagi, 2017

[10] Egloff, 2014

[11] Roos, 2010

[12] Bennel, 2008

[13] Ericsson, 2019

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