Vivemos num mundo de fácil informação, ou algo que possa facilmente ser confundido com isso. Os rápidos meios de comunicação, e alguma falta de discernimento por parte do leitor, faz com que seja fácil a propagação de ideias que rapidamente são transformadas em verdades absolutas. Efémeras, mas satisfatórias para o nosso ego!
Carl Sagan, já há alguns anos, publicou um livro sobre a importância de procurarmos a ciência para refutar ou provar as nossas crenças [1]. As crenças foram bastante úteis nos primórdios da evolução humana e devemos respeitar isso. Porém, atualmente, dispomos de desenvolvimento tecnológico que permite à ciência verificar se estas crenças são, ou não, válidas. Este espírito de “não resignação” com o nosso próprio “ego intelectual” já havia sido expressada por Kant: “Avalia-se a inteligência de um indivíduo pelo número de incertezas que ele é capaz de suportar”. Parece antagónico com a aproximação à verdade, porém ser um constante autocrítico será, a meu ver, importante para não cairmos no conforto da verdade não provada!
Ora, no contexto que abordo aqui hoje, importa investigar e pensar nas vantagens dos diferentes tipos de treino para a Fibromialgia. Esta doença crónica - e por isso com fases de maior/menor expressão - é caracterizada por dores frequentes em pontos anatómicos específicos [2]. É uma condição que afeta os tecidos fibrosos (“fibro”) e musculares (“mio”) provocando dores (“algia”) sem que isso implique lesões concretas e por isso difícil para o paciente expor a terceiros. Pode, por isso, provocar depressão, ansiedade, dificuldades no sono, entre outras. Não nos poderemos esquecer de todos os fatores, ainda um pouco inconclusivos, que podem influenciar a fibromialgia. Porém, à luz do que é hoje possível utilizar irei partilhar algumas informações que considero coerentes no que concerne ao papel do exercício físico neste contexto.
O Treino “Cardio” e o Treino de Força têm imensas vantagens para a saúde em geral. No entanto, vou aqui simplificar e cingir-me ao papel das endorfinas. Estas substâncias, produzidas pelos músculos durante e após o treino, interagem com recetores celulares opioides e bloqueiam a passagem de alguns neurotransmissores. Ou seja, alguns nociceptores ficam inibidos, e por isso, diminuiu a excitabilidade aferente dos mecanismos de perceção de dor até ao sistema nervoso central (SNC) [3]. A membrana sinovial também consegue produzir endorfinas que têm um efeito agudo durante o próprio exercício aumentando o limiar de excitabilidade dos nociceptores [4]. Este efeito acontece em seres humanos sem fibromialgia em maior expressão, provavelmente devido a uma melhor função neurológica endógena de produção de encefalina.
Outro efeito positivo do exercício é a redução dos níveis de cortisol em repouso [5]. Os níveis desta hormona são frequentemente elevados em pessoas com fibromialgia, mas diminuem consideravelmente quando praticam exercício físico. Um estudo muito interessante, avaliou a influência da intensidade e duração do exercício, na resposta do sistema imunitário [6]. Com 64 atletas, criaram 4 grupos de intervenção: 30’ corrida a 60% Vo2máx; 30’ corrida a 80% Vo2máx; 120’ corrida a 60% Vo2máx; controlo. Após o exercício injetaram um elemento patogénico que provocou uma inflamação cutânea. Verificou-se que o grupo que realizou 120’ corrida a 60% Vo2máx, manifestava concentrações de epinefrina e cortisol mais elevadas durante e após o exercício, e por isso maior ambiente inflamatório com sobrecarga imunitária. Seguidamente injetaram um antigene (a cura do vírus) e verificou-se que este mesmo grupo também manifestava uma reação mais tardia e menos expressiva ao fármaco. Ou seja, o grupo que realizou corrida de baixa-média intensidade e longa duração expressou uma menor resposta imunitária. Ora, não me parece plausível, continuarmos a permitir a crença de que “leve e longo” é a solução para tudo, sobretudo numa pessoa que expressa dores crónicas, com valores de cortisol e catecolaminas frequentemente elevados. Qual é a necessidade de diminuir a força do sistema imunitário das pessoas? Assim, a minha sugestão aponta para o treino isométrico numa fase inicial [7]. Esta ação muscular, aparentemente sem movimento, permite a sinalização celular para as vantagens metabólicas de produção de mioquinas e endorfinas. Mas a principal vantagem é a ausência de grande expressão de contração excêntrica. Esta, por ser mecanicamente mais stressante para as estruturas fibrosas e musculares, tem vantagens ao nível da hipertrofia, mas numa pessoa com fibromialgia poderá aumentar as dores e inflamação sistémica após o treino.
Contudo, alguns autores [8] reportam a problemática do aumento de stress oxidativo em indivíduos que realizaram escalada. Os mesmos sugeriram que a contração isométrica através do aumento de espécies reativas de oxigénio e nitrogénio (RONS), entre outros processos metabólicos, possam desenvolver uma isquemia, e consequentemente fatores inflamatórios a nível local, e por isso provocar danos desnecessários em indivíduos que utilizam este tipo de exercício. Como evitar este efeito ou a magnitude do mesmo, permanece a dúvida. Como tal, coerência, cautela e avaliação constante do feedback do indivíduo, parecem-me ser boas estratégias.O treino isométrico inicial que aqui proponho, deverá então ser se intensidade moderada. Uma força que a pessoa consiga produzir voluntariamente a meio da amplitude de movimento, durante cerca de 10-20 segundos, e que se traduza numa perceção de esforço moderada (4 ou 5 de 0-10). Desta forma poderá ter as vantagens metabólicas, embora menos expressivas, sem desconforto, e com menor inflamação para que possa recuperar e progredir gradualmente para a contração dinâmica.
(1) Sagan, Carl. Um Mundo Infestado De Demónios. Gradiva, 2012.
(2) “Fibromialgia.” CUF, www.saudecuf.pt/mais-saude/doencas-a-z/fibromialgia#gs.jbj59a.
(3) Appel, Camilla, et al. “Decitabine Attenuates Nociceptive Behavior in a Murine Model of Bone Cancer Pain.” November 2018, Copenhagen.
(4) 3. Bertolini, Gladson, et al. Use of Resistance Exercise as a Factor Antagonised by Naloxone of Analgesia in Acute Knee Synovitis in Wistaria Rats. 2nd ed., vol. 18, Rev Bras Med Esporte , 2012, pp. 126–129, Use of Resistance Exercise as a Factor Antagonised by Naloxone of Analgesia in Acute Knee Synovitis in Wistaria Rats.
(5) Rezende, Rafael, et al. Does Aerobic Exercise Associated with Tryptophan Supplementation Attenuates Hyperalgesia and Inflammation in Female Rats with Experimental Fibromyalgia? Plos One, 2019, Does Aerobic Exercise Associated with Tryptophan Supplementation Attenuates Hyperalgesia and Inflammation in Female Rats with Experimental Fibromyalgia?
(6) Diment, B., et al. “Exercise Intensity and Duration Effects on In Vivo Immunity.” MEDICINE & SCIENCE IN SPORTS & EXERCISE, 2014.
(7) Oranchuk, Dustin, et al. “Isometric Training and Long‐Term Adaptations: Effects of Muscle Length, Intensity, and Intent: A Systematic Review.” Scand J Med Sci Sports, 2019, pp. 1–20.
(8) José Magalhães, et al. “Indoor Climbing Elicits Plasma Oxidative Stress.” Official Journal of the American College of Sports Medicine, 2007.
© Afonso Franco, 2019
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