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lesão, futebol e... FORÇA!

Atualizado: 14 de mai. de 2022

Numa recente revisão narrativa, levada a cabo por Mathew Buckthorpe (Southampton FC) e vários colegas do Centro Médico da FIFA (2018), as lesões aos isquiotibiais foram abordadas à luz da ciência e da experiência de terreno. A abordagem que esta equipa de investigadores faz ao assunto da prevenção deste tipo de lesão muscular é pouco tradicionalista, porém, realista e concordante com a lógica e a ciência. Assim, os autores alertam que está já claro na literatura científica que o treino de força, nomeadamente o exercício excêntrico, pode reduzir a incidência de lesão por distensão nos isquiotibiais em atletas de futebol. Porém, a esmagadora maioria dos clubes europeus não adoptam esta diretriz - muitos recorrem (ainda) aos alongamentos, e, os poucos que recorrem ao treino predominantemente excêntrico, é por acreditarem que o problema é derivado do "encurtamento muscular".


De facto, os atletas com fascículos mais curtos têm maior tendência para se lesionarem, e, de facto, o treino excêntrico poderá (ainda que nem sempre) aumentar o comprimento fascicular do músculo e reduzir significativamente o risco de lesão. Porém, não está ainda clarificado se tal efeito é derivado diretamente do aumento fascicular ou se resulta do ganho de força, em si mesmo. Ou seja, o aumento do comprimento fascicular poderá ser somente uma adaptação transiente e que em nada tem que ver com a redução dos índices de lesão. Até porque, como já se sabe também, o alongamento poderá aumentar o comprimento fascicular, mas não previne lesões de forma significativa (Lauersen, 2013; Behm, 2016), provocando até perda aguda de força (Rubini, 2007; McHugh, 2010; Kay, 2012; Simic, 2012) e não apresenta um efeito crónico relevante nesta qualidade física (Medeiros, 2017) - se fosse somente pelo "simples" aumento do comprimento fascicular que as lesões se previnem, o alongamento teria um efeito preventor de lesões musculares, mas... não tem!


A análise da revisão narrativa de Buckthorpe (2018), conjunta com os estudos sobre o alongamento, poderá ser indicativa de que o fator preponderante para a redução do risco de lesão muscular por distensão é o aumento da força. Aliás, o treino de força, além de poder melhorar a mobilidade (vulgo flexibilidade), isto é, provocar um aumento na amplitude de movimento (Santos, 2010; Morton, 2011; Júnior, 2011; Souza, 2013; Saraiva, 2014; Leite, 2017), poderá prevenir lesões (Thacker, 2004; Lauersen, 2013, Suchomel, 2016; Attar, 2016).


Bem, creio que até aqui já se pode concluir algo: os profissionais do desporto estão a usar métodos antagónicos, ao juntar o alongamento com o treino de força (os poucos treinadores que o fazem), e, na pior das hipóteses (e talvez na maioria dos casos), não recorrem sequer ao treino de força. Isto representa, não só uma dessincronizarão com a literatura científica, como uma clara dificuldade de adaptação à realidade - as crenças são infundadas, a superstição impera, as finanças mandam, mas nem se apercebem que estão a perder mais dinheiro com a lesão do que seria de esperar, se aderissem, com humildade, ao conhecimento evolutivo e processual, em vez de estarem subjugados a directrizes e tradicionalismos.


Sobre isto, os autores da citada revisão narrativa referem, e muito bem, que o elemento essencial de um programa de prevenção de lesões deste tipo deverá ser a individualização, já que os factores de risco são dezenas e podem ser divididos em diversos grupos de tipologia. Logo, não sabendo concretamente qual a origem de determinada lesão em determinado atleta, qualquer intervenção protocolada somente terá algumas chances de resultar (que é o mesmo que dizer: que poucas vezes resulta, e, quando resulta, foi por acaso). Ainda assim, os autores deixam claro que a falta de força é primordial. Entretanto, deixam algumas recomendações, baseadas em evidência e na sua prática experiencial. Entre as principais recomendações estão os testes de força e o tipo de ação muscular treinada. Testar a força desta musculatura somente pela força da flexão do joelho não é suficiente, já que se tratam de músculos bi-articulares que produzem torque na extensão da anca, e a força que lhes é exigida em corrida será um somatório do torque articular em ambas as articulações - é necessário avaliar, também, a força muscular no sentido da extensão da anca. Depois, é necessário perceber que toda a função muscular deverá ser melhorada, pelo que os autores preferem não dar grande ênfase às ações excêntricas, mas também às ações isométrica e concêntrica. E, claro está, decorrente do anteriormente disposto, há que fortalecer também a anca e não só o joelho.


NOTA: é de sublinhar que os autores nunca referem o alongamento como prática preventiva de lesão muscular por distensão nos isquiotibiais.


© João C. Moscão, 2019

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